por Massimo Passamani
Nom nos pidas a fórmula que mundos che poida abrir,
sim algumha sílaba torta e seca como umha rama.
Só isto podemos hoje dicir:
o que nom somos,
o que nom queremos.
Eugenio Móntalle.
Tentaremos responder a uma pergunta que nos fazemos com frequência: “sim, mas no fondo que queredes?. Os problemas que propomos como o dumha sociedade sem cárceres normalmente mal se tratam. No entanto queremos tentá-lo, ainda que seja dentro dos estreitos limites desta folha. Mas, por onde começar?
Sabemos que é impossível chegar ao fondo dos nossos desejos, que, literalmente, nom tenhem fondo. E ao mesmo tempo nom temos problemas em admitir que temos um ideal. Para nós, um ideal é umha forma quotidiana de viver e ao mesmo tempo a configuraçom do mundo no que gostaríamos de viver. Ideia, ideal, som conceitos que nos respondem, etimológicamente, à capacidade visual, à visom. Trata-se de umha faculdade imaginativa, de prefiguraçom precisamente.
Prefigurar nom significa construir minuciosas arquiteturas de mundos alternativos, mapas detalhados da terra da Utopia. Isto, além de impossível, trae-nos de novo umha ideia de sociedade oposta à que queremos: umha sociedade planificada por alguns, com a intençom de “melhorar a humanidade” ainda que seja contra… a sua própria vontade.
Para nós, a prefiguraçom é umha imagem que atravessa a mente, umha imagem na que a experiência se mistura com a tensom e a esperança, na que as possibilidades do passado se reatopam na rutura do presente. Esta imagem nutre-se de loitas e de valores, de técnicas e de saberes, de espaços e de tempos. Disto falaremos aqui, conscientes de que o que queremos nom pode senom “levar o pânico à superfície das coisas”.
Como pedras na auga
Ante todo indivíduos. As definiçons, quando nom som gaiolas, som como pedras lançadas à água: criam círculos cada vez mais amplos, mas ningum deles alcança a conter completamente a nossa individualidade. Apesar disto, as palavras nom nos dam medo. Por que somos anarquistas?, porque queremos um mundo baseado na reciprocidade e no apoio mútuo, e nom na dominaçom e a exploraçom. Um mundo sem Estado e sem dinheiro.
Reconhecemos a necessidade de acordos ou se se prefere, de regras para a vida em comum: mas para nós, o único acordo digno de se chamar assim é o criado e definido livre e reciprocamente, e nom o imposto unilateralmente polos que tenhem o poder de fazer as leis e a força militar para faze-las respeitar. Regras e leis nom som em absoluto sinónimos. A lei é um modo específico baseado na coerción de conceber a regra. Na medida das nossas possibilidades, tentamos viver segundo o livre acordo, sem aceitar ningumha autoridade que decida por nós.
Estamos polo apoio mútuo porque sabemos que a equidade nom é suficiente se nom vai acompanhada dum sentimento de solidariedade consciente e voluntária. Contrariamente ao modelo liberal que vê na liberdade dos demais um limite à liberdade própria, sentimos que a nossa liberdade se estende até o infinito através da liberdade dos demais.
Contrariamente ao comunismo autoritário, sabemos que a igualdade é irmá do despotismo se nom é o espaço no que expressar as diferenças individuais.
Umha maneira diferente de conceber as regras determina também umha maneira diferente de afrontar os conflitos. Ante todo, alguém deve responder só ante a violaçom de regras que ele mesmo definiu e partilhou, e nom ante leis que outros estabelecerom no seu nome. Em segundo lugar, os conflitos devem enfrentar-se de maneira nom repressiva, como indicadores de acordos inadequados, como experimentaçom de novas relaçons. Em ningum caso a soluçom das contraposiçons deve institucionalizarse em órganos repressivos, cárceres ou qualquer outra forma de segregaçom, que nom fariam senom recrear esse poder opresivo cuja natureza e consequências conhecemos. Em soma, a “justiça” nom deve nunca separar-se da comunidade que a expressa, constituindo assim aparelhos especializados que tenderiam antes que nada a reproduzir-se a si mesmos e os seus privilégios. Ningumha receita, evidentemente. Tam só umha sensibilidade antiautoritaria que agudiza sobre as ruínas de todas as prisons.
Para poder tomar decisons em comum sem um poder centralizador é necessário poder dialogar de maneira direta e horizontal. A sociedade pola que loitamos é umha sociedade cara a cara. Umha civilizaçom de massas como a civilizaçom industrial, especializa extremamente o trabalho, cria hierarquias por todas partes, e fai que os indivíduos sejam incapazes de compreender o produto das suas relaçons sociais. Dado que só no indivíduo o pensamento pode estar unido à açom, as forças sociais som sempre cegas, é necessário que a atividade desenvolta seja direta, controlada e compreendida polos indivíduos mesmos. O trabalho assalariado baseia-se em todo o contrário: poucos dirigentes organizam mentres a massa executa, incapazes de dominar ou reparar as máquinas das que se convertem em meros apêndices, ou compreender o produto da sua atividade.
O universal e o local oponhem-se só nas mentes autoritárias, segundo as quais nom há saída do gigantismo das cidades e dos aparelhos produtivos. Em realidade, ou conseguimos reinventar umha vida social sobre bases mais pequenas, do pequeno ao grande, através de unions horizontais, com técnicas mais simples, ou dirigiremo-nos ainda mais cara a desintegraçom de toda autonomia individual e cara o colapso ecológico. É urgente desfazer as relaçons masificadas, fonte de conformismo, contaminaçom e angústia existencial, para experimentar outras mais adaptadas às necessidades e desejos de cada qual.
Contrariamente à visom do progresso que se nos tem imposto, segundo a qual a história traça umha linha reta desde a caverna ao Fondo Monetário Internacional, a humanidade viveu por milénios em sociedades sem Estado e sem poder centralizado. Nom se trata, evidentemente, de sonhar com a volta da idade de ouro, senom de vislumbrar no passado as relaçons e técnicas que nos poidam ajudar a transformar o presente. O redescubrimento dumha nova autonomia (alimentária, energética, médica, etc.) é inseparável dum processo revolucionário de destruiçom do Estado e desmantelamento da sociedade industrial. Reinventar a relaçom entre a soidade e a companhia, entre o bosque e a aldeia, entre o campo e a cidade, nom é só umha tensom ética: é umha necessidade vital. O capitalismo ataca as fontes mesmas da vida, a comida, o ar, a água, e as transforma em mercadoria. É ilusorio pensar em retirar-se a algum recuncho deste gigantesco supermercado. Agrandar os espaços de autonomia experimentando outras formas de vida e de relaçom e subvertir o atual estado de coisas som, insistimos, aspetos inseparáveis.
Contrariamente à propaganda tecnológica, segundo a qual todo o que é eficaz tecnicamente é positivo socialmente, achamos que as técnicas devem estar submetidas a consideraçons éticas e sociais, e que se deve botar marcha atrás se umha suposta eficácia técnica se obtem graças a umha maior especializaçom, a um maior poder, ou a um empobrecimento das relaçons humanas.
Entom?
Algumhas destas reflexons som atualmente banais para moita gente, revolucionários, ou simplesmente críticos. O que nos caracteriza como anarquistas, é que consideramos os fins como inseparáveis dos meios, porque os métodos de loita deixam já entrever a vida pola que combatemos. A despeito do maquiavelismo reinante, sabemos que rejeitando certos meios, rejeitamos também certos fins, precisamente porque aqueles contenhem sempre a estes. Infinitude de exemplos históricos ensinam a onde leva a lógica do oportunismo, das exceçons táticas e estratégicas, da “transiçom ao comunismo” (que nunca transita e todo justifica). A ditaduras despiadadas ou a socialdemocracias assassinas.
Alguém dixo que nom se pode combater a alienaçom de maneira alienada. Nom é possível reproduzir nas nossas relaçons e práticas as mesmas dinâmicas que as da dominaçom que se combate. Por tanto, estamos pola autoorganizaçom das loitas, isto é, por umha autonomia em fronte a todas as forças sindicais e de partido, pola conflictividade permanente com o poder, as suas estruturas, os seus homens, a sua ideologia. Igual que rejeitamos o embrolho eleitoral com o que se oculta a ditadura do capital, rejeitamos os líderes, as hierarquias, os comités centrais, os porta-vozes mediáticos (futuros chefes políticos).
Atacar o poder em vez de reproduzí-lo, desertar das instituiçons em vez de mendigar subvençons; som métodos que, no imediato, podem parecer pouco eficazes e implicam verdadeiro isolamento (bem preparado polo constante linchamiento mediático). A todo isto pode-se responder que o sentido do que se fai vai unido à atividade mesma, e nom na medida dos resultados quantitativos; as forças sociais som imprevisíveis, e nom se podem medir mediante censos: o que nós percebemos nom é em realidade mais que os primeiros círculos criados polas pedras que lançamos. Por outra parte, a busca da coerência é a força que contém a todas as demais, e isto nom por adesom abnegada a umha doutrina, senom polo prazer provocado por umha alma em concordância consigo mesma. “Na uniom do pensamento e a açom, diz Simone Weil, renova-se o pacto entre o espírito e o universo”.
Assim, o que pode parecer “purismo” (como dim depreciativamente os realistas) é em realidade umha maneira bem concreta de apalpar a existência, “no prazer orgulhoso da batalha social”.
Nom cremos nos radiantes soles do porvir que nasceram de cálculos feitos nas trastendas. O mundo no que gostaríamos viver deve estar conteúdo ao máximo nas nossas relaçons e comportamentos. Se nom colaboramos com as instituiçons, ninguém poderá reprochar-nos ter comido do seu mesmo prato.
A autoorganizaçom da que falamos nom é um simple movimento do espírito. É umha experiência humana que existe desde a noite dos tempos, um grande arsenal teórico e prático que o passado transmitiu ao presente. Desde a Idade Média até agora, som inumeráveis os exemplos de comunidades que abolirom a propriedade privada e o Estado, numha tentativa apaixoada de realizar na Terra a felicidade que as religions tinham confinado no Reino dos Céus. Mas nom precisamos um passado no que procurar justificaçons aos nossos desejos. A autoorganizaçom é umha realidade que existe no mundo atual, como prática social durante explosions insurreccionais ou como método de loita em conflitos mais específicos. Milhons de pessoas experimentam com a açom direta, nom por ideologia, senom porque é a única maneira de arrancar algumhas melhorias reais aos patronos. A crítica anticapitalista que os intelectuais julgam vazia, superada, ou criminal, é ratificada por moitos explorados porque sofrem o capitalismo nas suas próprias carnes. E nós, que fazemos?
Sem ningumha mentalidade vangardista, devemos simplesmente aportar a nossa contribuiçom ali onde estejamos, para favorecer práticas de autoorganización e açom direta. Quando seja possível, propondo nós mesmos situaçons de loita social, quando nom, intervindo sobre as nossas bases em conflitos determinados por outros. Ao nom ser especialistas, nom temos ningum campo de intervençom exclusivo, entre outras cousas porque esta sociedade alcançou um grau tal de interdependência entre os seus setores, que se voltou impossível modificar profundamente algum aspeto significativo sem questionar o conjunto. Inclusive satisfazer a exigência dumha alimentaçom nom envenenada significa, como escreveu alguém, o desmantelamento de todo o sistema de produçom, de intercâmbio e de transporte existente. Desde o problema da devastaçom do território ao da guerra, quando a crítica se volta mais profunda, vê-se obrigada a situar em fronte à sociedade na sua totalidade e aos seus cans guardians. Certamente algumhas questons importam-nos moito mais que outras, entre outras cousas porque cremos que som mais recuperáveis, é dizer, neutralizables pola dominaçom.
Pode-se conceber um poder que construa menos incineradoras ou tecnologias altamente nocivas, mas nom é concebível um poder que produza menos cárceres, da mesma maneira que nom houvo sepultureros da Revoluçom que nom as reconstruiram. Polo tanto, será bom lembrá-lo, o problema da prisom leva-nos ao da autonomia das decisons e ao da possesom do necessário para viver. Mentres nom aprendamos a preferir a livre associaçom à imposiçom, a solidariedade à competitividade envilecedora, a lógica do castigo reconstruirá as suas gaiolas e os seus horrores. Estamos pola rutura revolucionária porque sabemos que as mentalidades serviciais precisam a mesma violenta sacudida que as instituiçons sociais, mas também sabemos que umha insurreiçom é tam só o princípio de umha mudança possível e nom umha panacea. Listos para unir-nos a qualquer que anele realmente abater a dominaçom atual, defenderemos com unhas e dentes a nossa possibilidade de viver sem impor nem acatar ordens de ningumha autoridade, partido, ou comité central. A experiência histórica ensinou-nos que os piores opresores podem vestir o hábito de revolucionários, e nós nom queremos de jeito ningum entrar em alianças com os estranguladores de toda espontaniedade subversiva e de toda a liberdade. Para nós, a única violência aceitável é a que libera e nom submete, a que destrói o poder e nom o reproduce, a que defende a possibilidade da cada qual de viver à sua maneira. Impor a liberdade é um contrasentido. “Se para vencer tenho que levantar um cadalso, dixe Malatesta, entom prefiro perder”.
Que o coro de inteligências sumisas repita que umha revoluçom é impossível nom nos impressiona nem nos surpreende. Nom é isto o que os trinta tiranos repetiam às democratas atenienses, os aristócratas aos burgueses, os latifundistas aos labregos mexicanos, os democratas aos anarquistas do estado espanhol, os burócratas estalinistas aos insurgentes húngaros, os sociólogos aos “pérfidos lobos” (como os qualificou Pravda) do maio francês? “Fazer a revoluçom a meias é cavar a nossa própria tumba”, esta é umha importante liçom que sacar dos que nos precederom no caminho dumha revoluçom anarquista.
Consideramo-nos explorados ao carom doutros explorados, e a nossa impaciência, a nossa determinaçom de atacar aqui e agora, fam parte também do conflito de classe. Nom aceitamos hierarquias fundadas sobre os riscos previstos no código penal: umha octavilha tem a mesma dignidade que umha sabotagem, porque para nós a açom direta nom se opom à difusom das ideias.
Os anos futuros estaram carregados de conflitos, alguns difíciles de descifrar, outros claros, tam nítidos como as barricadas. A autoorganizaçom voltará a chamar com força à porta da guerra social.
Os nossos cómplices som e seram todos os indivíduos dispostos a loitar para conquistar a liberdade junto aos demais, e dispostos também a arriscar a sua própria.